“Quando fores grande, talvez não tenhas profissão…”

O título deste artigo foi retirado do último livro do académico Yuval Noah Harari, 21 Lições para o Século XXI, também autor dos best-sellers: Sapiens e Homo Deus, livros que vivamente recomendo. Sendo aparentemente uma frase simples e inócua, ela encerra, na realidade, uma brutal inquietação e complexidade cujos contornos e consequências são ainda difíceis de descortinar.

Desde a revolução industrial, apesar dos receios de desemprego que em cada momento perpassaram pelos que iam sendo diretamente atingidos pela vassoura das tecnologias, cada emprego perdido para a robotização deu origem a outros empregos e cada profissão desaparecida a novas profissões. Tirando, assim, situações pontuais que foram sendo superadas não desembocamos no desemprego em massa e foi possível atingir índices sucessivamente mais elevados de prosperidade. Teremos razões para acreditar que este será o cenário que nos espera nas próximas décadas?

Existem dois tipos de capacidades humanas substancialmente distintas. As físicas que estão subjacentes ao trabalho de índole manual e que envolvem resistência, força, velocidade, agilidade, equilíbrio, flexibilidade e coordenação motora. As cognitivas que, integrando as componentes racionais e emocionais permitem, suportadas no poder de abstração, raciocínio, memória, linguagem e criatividade, interpretar os estímulos do meio, resolver problemas e tomar decisões.

No passado a aposta na robotização visou retirar aos humanos os empregos baseados essencialmente nas capacidades físicas e as novas profissões que foram surgindo suportaram-se fundamentalmente nas capacidades cognitivas. Hoje estamos perante uma viragem, que pode constituir um verdadeiro “salto quântico”, em que o desenvolvimento da Inteligência Artificial está a atingir as profissões e empregos de matriz cognitiva.

De facto, as capacidades cognitivas não decorrem de um espírito imaterial, mas são algoritmos bioquímicos, apoiados em milhões de conexões de neurónios, sujeitos a imperfeições que justificam os numerosos erros que cometemos. O desenvolvimento da Inteligência Artificial, também ela suportada em algoritmos, essa espécie de “receita” de procedimentos para realizar tarefas ou resolver problemas, começa a competir com as capacidades cognitivas humanas, superando-as já, em muitas situações, em eficácia e fiabilidade.

Muitas profissões, de áreas tão imprevisíveis como a medicina, a advocacia ou a magistratura, que julgávamos até há bem pouco tempo da exclusividade dos humanos, estão em vias de serem assumidas por robots, provocando alterações significativas nos seus conteúdos funcionais ou mesmo a sua extinção. Para não pensarmos que estamos no domínio da ficção ou de algo remoto no tempo apenas dois exemplos ilustrativos. Na Estónia, país com pouco mais de um milhão de habitantes, mas que apostou na construção de uma sociedade digital, 100% dos serviços do governo já podem ser iniciados online e 80% concluídos sem presença física. Neste mesmo país os pequenos delitos de moldura penal inferior a 7.000 Euros estão em vias de passar a ser julgados por robots. Também ainda há muito pouco tempo era garantido entre os profissionais de Recursos Humanos que as tecnologias nunca substituiriam a intervenção humana nas entrevistas face a face. Porém, notícias recentes dão-nos conta de que há robots a realizar entrevistas de recrutamento e seleção às centenas em empresas como a Ikea, a L’Oreal, a Pepsi ou a Microsoft.

Esta nova realidade introduz, assim, a dúvida e a perplexidade sobre que profissões os seres humanos poderão ter como garantidas no futuro e se será possível manter os empregos para a generalidade das populações. Provando que esta preocupação é real, começam a desenhar-se modos de vida alternativos à vida profissional de que são exemplo alguns projetos pilotos designados de “Rendimento Básico Universal”, ensaiados de forma mais ou menos localizada na Finlândia, Itália e Canadá.

Resistir à mudança ou desistir não será seguramente a melhor maneira de enfrentar a robotização mesmo que a frase de Alvin Toffler “parem o mundo para eu me apear”, ecoe lancinante nos nossos ouvidos. Não foi por os tecelões manuais, com medo de perderem o emprego, destruírem teares mecânicos no período da revolução industrial que a mecanização parou, nem a automatização bancária foi inviabilizada por os empregados bancários nos finais do século XX avariarem ou não abastecerem as caixas multibanco (ATM).

A estratégia a seguir não passa pela competição entre humanos e robots mas pela cooperação, o que permitirá o surgimento de profissões cada vez mais qualificadas, suportadas num forte investimento na formação ao longo da vida. Será sempre mais difícil substituir os humanos em profissões que exijam simultaneamente vasta gama de aptidões e competências, criatividade ou que lidem com cenários imprevisíveis.

adelino

 

 

 

 

Adelino Cardoso

Doutor em Ciências Empresariais, Mestre em Gestão de Marketing e Licenciado em Psicologia, Consultor, Formador e Professor do Ensino Superior.

É autor dos livros: Atração, Seleção e Integração de Talentos; Recrutamento & Seleção de Pessoal; O Comportamento do Consumidor – Porque é que os consumidores compram; e À Conquista do Emprego, publicados pela Editora LIDEL.

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