Flexibilidade e Processos de Decisão na Banca de Retalho: A Estrutura como Suporte do Atendedor

A intensidade do contexto concorrencial sentido na banca de retalho veio trazer aos bancos a necessidade de reconversão das suas estruturas operacionais. Esta reconversão deriva não só da entrada de novos operadores no sector (munidos de uma nova filosofia de orientação ao negócio) mas também da proliferação de novos canais de distribuição. Os bancos têm de gerir complexas cadeias de distribuição multi-canal e de manter coerência e complementaridade entre estes canais, procurando em cada momento maximizar as economias de escala e de gama.

A disponibilização de um elevado volume de produtos e serviços financeiros, com um reduzido nível de diferenciação entre si, veio reforçar o poder negocial dos clientes, tornando críticos para os bancos de retalho os momentos em que ambos contactam. Estes momentos denominam-se “momentos da verdade” (Carlzon, 1987) e são cruciais para a optimização do posicionamento estratégico e das performances de um banco como empresa de serviços.

Jan Carlzon argumenta que são os momentos de verdade que determinam o sucesso ou fracasso da estratégia de uma empresa. Neste contexto, cada banco decide com que clientes se quer relacionar, investiga as suas preferências e estabelece uma oferta alinhada com os padrões que eles valorizam. Como empresa, cada banco não é só o somatório de bens materiais, sendo crucial o tipo de contacto entre um cliente e as pessoas responsáveis pelo seu atendimento, a que Carlzon chama primeira linha (Carlzon, 1987).

Ao atender um cliente, o empregado personifica toda a estrutura do banco. Se o atendimento for satisfatório o cliente tenderá a avaliar o banco de uma forma positiva. Por outro lado, se o atendimento for insatisfatório o cliente tenderá a estabelecer um mau conceito do banco, que irá afectar o relacionamento entre as duas partes no futuro. A relação passa a ser cada vez mais incerta, pois assenta num ratio “expectativas / percepções” construído intuitivamente por cada cliente. As expectativas são geradas pelo esforço de marketing do banco. As percepções situam-se num quadro comparativo entre as expectativas geradas e os momentos da verdade.

Caso as expectativas geradas excedam as percepções em cada momento da verdade, o cliente sai insatisfeito e a relação tende para a ruptura. Caso as percepções sejam superiores às expectativas, o cliente fica satisfeito e tende a reforçar a sua fidelização ao banco.

Um posicionamento do banco centrado no reforço da fidelização do cliente em cada momento de contacto, é claramente gerador de vantagens competitivas duradouras e estrategicamente reforça o esforço dos bancos na captação de novos segmentos de clientela. Para além destes momentos criarem empatia entre o banco e o cliente, o detalhe da informação contida na base de clientes (big data) orienta o esforço de marketing para estratégias de mass customization. Assim, o aprofundamento da relação com os clientes fidelizados incrementa o negócio sem um acréscimo significativo do respectivo.

O foco nos “momentos da verdade” pressupõe importantes ajustamentos na estrutura do banco. Fatores como dimensão, segurança e controlo de gestão obrigam os bancos de retalho a manterem estruturas bastante pesadas e departamentalizadas, com reflexos negativos sobre a sua flexibilidade e prontidão de resposta às oportunidades de negócio. Quando o banco foca o posicionamento estratégico no cliente, a estrutura tem de ser cada vez mais descentralizada e ampla, com responsabilização das pessoas no nível inferior da pirâmide organizacional.

Quando o posicionamento estratégico se orienta ao cliente, a gestão das pessoas pressupõe importantes alterações. O atendimento deixa de ser focado na estandardização interna da prestação do serviço, resultante da própria organização do banco, passando a ser orientado necessidades específicas do cliente, sem perder o foco nos objectivos e rendibilidade do banco.

Assim, a prioridade na afectação das pessoas passa ser orientada para os empregados de primeira linha (atendedores), coexistindo toda a estrutura organizacional para lhes proporcionar um momento de contacto mais positivo com cada cliente. Esta atitude pressupõe uma alteração na estrutura organizacional do banco, que pode ser representada graficamente da seguinte forma:

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Organização tradicional             Orientação ao cliente

A inversão da pirâmide organizacional coloca a prioridade nas pessoas com relacionamento direto com os clientes. O seu achatamento diminui os níveis hierárquicos que intervêm neste relacionamento, reduzindo o tempo de resposta em procedimentos administrativos. A inversão da pirâmide pressupõe que a primeira linha seja reconhecida como cliente final pelas áreas de middle-office e back-office, passando toda a estrutura operacional a funcionar como suporte no momento de contacto com o cliente. As TI têm um papel fundamental na optimização deste modelo, constituindo um poderoso instrumento para a fluidez da comunicação interna.

A maior responsabilização da primeira linha no desempenho das tarefas constitui um reforço à sua motivação, permitindo em cada momento definir qual a melhor abordagem na satisfação do cliente. É vantajoso que esta responsabilização seja complementada por competências ao nível das decisões correntes.

Estas competências correspondem à atribuição de papéis com autoridade e decisão a pessoas específicas na organização (Certo, 1992). Os bancos aplicam a delegação de competências de forma contínua e dinâmica no âmbito da sua actividade corrente, individualizando-a com base em factores como a dimensão, a complexidade das operações e o nível técnico dos empregados.

As TI têm um papel determinante neste contexto, pois o cruzamento de informações relativas à tipologia de operações, bem como à rendibilidade do cliente e da unidade de negócio, permite atribuir a delegação especificamente a um atendedor, diminuindo o tempo de prestação do serviço e incrementando a satisfação do cliente.

A delegação de competências na primeira linha liberta os gestores de unidades de negócio para actividades críticas na cadeia de valor do banco/cliente (pesquisa de oportunidades de negócio, apoio a clientes com importante potencial, actividades de planeamento e definição de estratégias locais). A delegação de competências torna-se mais eficaz quando baseada no diálogo entre os diversos níveis da estrutura, minimizando os efeitos negativos sobre as relações de trabalho, a produtividade das pessoas e a rendibilidade do banco.

A tipologia das decisões correntes num banco de retalho implica uma atitude ponderada na delegação de competências, contribuindo para que o conforto do atendedor nestas atribuições coexista com a manutenção das performances operacionais. A base da decisão na banca resulta da conjugação de 3 factores essenciais (Smullen, 1995): rendibilidade, risco e retorno financeiro. O risco detém um peso crescente neste conjunto, devido à incerteza na evolução dos mercados e das conjunturas económicas.

No entanto, a crescente informação sobre clientes, associada a um continuo controlo de gestão, permitem que o risco seja controlado de forma eficaz. O desenvolvimento de algoritmos de risco permite a automatização dos processos de decisão e uma maior amplitude da delegação de competências, com reforço do papel desempenhado pelos atendedores de primeira linha no negócio bancário e na orientação ao cliente.

A obtenção de uma vincada orientação ao cliente é um passo fundamental para o sucesso do posicionamento estratégico de um banco de retalho.  O negócio aumenta pela disponibilização de serviços adicionais à sua oferta (via cross-selling), promovendo uma atitude pró-activa sobre as intenções de compra dos clientes e segmentos. Esta atitude pressupõe uma maior autonomia dos atendedores de primeira linha na detecção de oportunidades de negócio em clientes actuais e potenciais, orientada para a sua fidelização e para vantagens competitivas duradouras.

A orientação ao cliente começa no mercado e não no serviço. Consequentemente, a estrutura operacional é adaptada de forma a disponibilizar à primeira linha o suporte de que necessitam para transformar cada contacto num momento da verdade de sucesso. Desta forma, a fidelização no relacionamento tende a ser mantida e a satisfação dos clientes contribui para a captação de novos clientes, passando os actuais a funcionar como embaixadores da marca. A informação sistematizada sobre clientes induz estratégias de mass customization, com vantagem do banco em economias de escala e de gama. A diferenciação da oferta assenta no relacionamento e o banco alcança uma imagem única no mercado, reconhecida pela procura e dificilmente imitável pela concorrência.

 

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José Alberto Pereira

Doutorando em gestão

Professor universitário, Formador e Consultor

 

 

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